quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Artigo: Ética na Advocacia de Defesa do Consumidor




Por Cláudia Santos.

Advogada Especialista em Direito do Consumidor, Diretora de Apoio à Advocacia dos Consumidores do BRASILCON, Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor e Diretora Associação dos Advogados do Estado do Ceará - AACE.


1-INTRODUÇÃO:

Primeiramente, faz-se mister ressaltar que a legislação consumerista é perfeitamente compatível com o exercício da advocacia e, pois, a relação advogado-cliente constitui uma relação de consumo, com a aplicação irrestrita da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) com os respectivos contratos.

Entre o Estado e o cidadão no âmbito de suas atividades familiares, profissionais, comerciais, industriais, sociais, religiosas, há um casamento indissolúvel entre a legalidade e a moralidade, norteado por princípios que capacitam à construção de um mundo socialmente estável, equilibrado a acolher uma humanidade voltada para o bem comum.

Hoje, enfrenta-se um desafio comportamental para evitar a instalação de uma imoralidade econômico-político juridicamente afrontosa de tal forma a concorrer para não se distinguir mais valores éticos dos aéticos, ou o discernimento entre a verdade e a mentira, entre o bem e o mal.

A ética profissional atrai os verdadeiros valores morais e afasta os fatores causadores da degradação.

O advogado é o profissional liberal por excelência, em face de sua atividade na administração da justiça, prevista na Constituição Federal, art. 133, tutelada por leis especiais como a Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), com prerrogativas previstas no Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.

Inobstante pareceres contrários, o serviço prestado pelo advogado está incluído entre aqueles abrangidos pela norma consumerista (art. 3º, §2º do CDC). Em seu marcante ofício de ser voz ativa, de representar seu cliente perante os órgãos jurisdicionados, substituindo-o, postulando em seu nome, defendendo seus interesses, seja ele o demandante ou o demandado, requerendo a aplicação do direito em seu favor, no âmbito criminal, civil, trabalhista, fiscal, previdenciário, etc., vem o ônus de prestá-lo com qualidade, respeito, exclusividade, assumindo uma conduta compatível com seu mister, assentada em padrões que engrandeçam o respeito por si, para com o seu cliente e para com a sociedade.


2 – O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA DA DEFESA DO CONSUMIDOR


Legalmente habilitado para militar na defesa dos direitos e interesses de seus clientes, o advogado é um profissional sui generis. A ele cabe orientar, aconselhar e representar seus clientes em juízo ou fora dele mediante celebração de contrato que lhe assegura os honorários, não sendo comerciante e não podendo captar clientela pelos meios próprios utilizados por comerciantes e prestadores de serviços no mercado de consumo; mesmo assim, o advogado é considerado um fornecedor de serviços à luz do Código de Defesa do Consumidor. E, como tal, submete-se às normas consumeristas como qualquer outro profissional liberal, diferindo, entretanto, quanto à responsabilidade por ser a sua atividade de meio e não de fim.

O advogado, com efeito, não tem como garantir que a causa que defende, é uma causa vitoriosa. Sua obrigação pretende-se à sua habilidade para agir em defesa dos direitos e deveres de seu patrocinado.

O Prof. Silvio Rodrigues (Direito Civil, vol. II, Parte Geral das Obrigações, 28ª Ed., Saraiva, São Paulo, 2000, pág. 17), em feliz esclarecimento, assim expressa com respeito ao resultado na atividade advocatícia: “nalguns negócios o devedor apenas promete envidar esforços para alcançar um resultado... é ainda o caso do advogado que oferece sua atividade, sua cultura e seu talento na defesa de uma causa, sem poder, contudo, prometer como resultado a vitória na demanda”.

Observe-se que a remuneração do advogado, qualquer que seja o resultado obtido, é sempre devida, em conformidade com o art. 22 do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Uma das premissas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), é a remuneração do fornecedor de produtos ou serviços nas relações de consumo. Em seu princípio básico de proteger a parte frágil, destinatário final ou consumidor, contra a ânsia descontrolada do fornecedor na obtenção do lucro, o legislador consumerista impôs uma série de barreiras e limites na Política Nacional de Relação de Consumo, de forma a colocar em pedestal a boa-fé objetiva, a equidade e harmonia entre os pólos que compõem as relações jurídicas de consumo.

3- A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ANTE A DIGNIDADE HUMANA COMO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Nas relações de aquisição de bens materiais e imateriais, bem como na proteção de serviços praticados no mercado de consumo, a parte vulnerável em condição de inafastável dependência do fornecedor dos produtos e serviços, é o consumidor.

Observe-se que há consumidores mais vulneráveis que outros pela sua condição sócio-cultural inferior, como os incultos, deficientes, analfabetos, etc, a merecerem maior proteção nas relações consumeristas.

Pela dicção do §4º do art. 14, o profissional liberal prestador de serviços no mercado de consumo, como o médico, o dentista, o psicólogo, o advogado, dentre outros, responde pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relacionados à prestação de serviços, por insuficiência ou inadequação de informações. Sua responsabilidade pessoal, diferentemente dos demais profissionais, será apurada mediante a verificação da culpa.

“Art. 14- O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. (Lei 8.078/90 -Código de Defesa do Consumidor- CDC).

O fato de não ser admitida a inversão do ônus da prova com respeito à responsabilidade pessoal na prestação do serviço, cabendo ao consumidor o encargo de provar a existência de vício ou defeito na prestação do serviço, entretanto, ao profissional cabe demonstrar que não faltou com seus deveres de lealdade, informação, veracidade e interesse nas várias etapas processuais. O mesmo se diga no que tange à cobrança de honorários e outros valores, cabendo-lhe comprovar a procedência dos numerários exigidos do cliente-consumidor, ainda que sem determinação judicial.

Com efeito, o princípio da boa-fé objetiva deve nortear a relação advogado-cliente, prevalecendo sobre o lucro financeiro almejado e ganhando dimensão aprimorada no trato com pessoas de condição sócio-cultural inferior, evitando a obtenção de vantagem manifestamente excessiva, com incidência no art. 39, IV e V do CDC.

Aliás, é bom que se diga que a tutela preventiva do Código de Defesa do Consumidor deixa patente a vontade do legislador contrária aos abusos praticados nas situações de inferioridade técnica, jurídica econômica dos consumidores. Tanto é que os arts. 46, 47 e 48 trazem conteúdos de natureza cogente, cuja violação implica em nulidade absoluta da cláusula, por sua abusividade, isentando o consumidor de sua observância. Daí, o cuidado na redação dos contratos que precisam estar ao alcance da compreensão do consumidor, ex-vi do art. 54, §§3º e 4º do CDC.

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

(...)

§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Com o advento da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, o princípio da liberdade contratual acha-se limitado pelo espírito social. A defesa do consumidor está inserida nos fundamentos nucleares da “Constituição Cidadã”, art. 5º, XXXII, c/c o art. 60, §4º, IV. Assim sendo, é certo afirmar que o Código de Defesa do Consumidor é uma lei constitucional por ter vigência sob a égide da Constituição Federal. Com efeito, as normas do CDC estão inseridas na Constituição Federal.

É com razão que a festejada CLÁUDIA LIMA MARQUES (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 5ª Ed., RT, 2008, São Paulo, pags. 371/375), repetindo seu colega alemão CARL VERFASSUNGSLEHRE SCHMITT, leis constitucionais são aquelas “que regulamentam as decisões quanto ao modo e forma da unidade política existente”. Tal constatação deve ser compreendida à luz do ideal do direito que se persegue, aquele ideal que, no dizer de CEZAR SALDANHA SOUZA JÚNIOR (Constituições do Brasil, Sagra Luzzato, 2002, Porto Alegre, pag88), consagra uma “objetividade mínima de valores jurídicos, fundada na dignidade humana, que vivifique um quadro de direitos fundamentais de liberdade e de solidariedade, bem assim de direitos a um mínimo de condições de vida exigidas pela natureza humana comum a todos”.

Destarte, a defesa do consumidor faz parte da realidade nacional que alcançou efeito inestimável, com força inquestionável, a partir do reconhecimento da aplicação da Lei 8.078/90 às instituições financeiras pelo STF. Por isso, a lição de CLÁUDIA LIMA MARQUES que, abordando o tema, diz que “a realidade brasileira impõe que o intérprete leve em conta a valoração constitucional do direito do consumidor, reconhecendo-se, assim, a proteção estatal que lhe é inerente”.

Convergem para um núcleo específico os direitos fundamentais, o direito privado e a dignidade da pessoa humana. A dignidade humana sendo um bem intangível, não importa a origem da agressão, se a autoridade estatal ou de um particular, deve ser combatida. A dimensão objetiva da dignidade humana entra em desafio quando se questiona o seu significado para a comunidade em prol do bem comum.

Para o mestre LUIS AFONSO HECK (Direitos Fundamentais e Sua Influência no Direito Civil, Revista de Direito do Consumidor n º 29, jan.,Marc. 1999, RT, São Paulo, pág. 45), esse ideal de construção da dignidade humana através da proteção e eficácia dos direitos individuais subjetivos, “revela camadas de significado distintas para os direitos fundamentais, que condicionam, protegem e se completam reciprocamente”.

Para a preservação dessa garantia constitucional da dignidade humana, os contratos de prestação de serviços advocatícios não devem constituir instrumentos capazes de lesar direitos fundamentais do consumidor. Assim, um contrato que traz em seu bojo a abolição de direitos fundamentais, sobremaneira quando o consumidor não dispõe de poder fático para modificar os termos pactuados, atrairá para si a pecha da nulidade, por desproteger a autodeterminação da personalidade individual da parte vulnerável.

Tenha-se em conta que a liberdade não pode ser ilimitada, mas deve garantir a igualdade. O desequilíbrio entre as partes impede que a parte mais fraca tenha liberdade para decidir porque a parte forte descarta sua autonomia. Portanto, em havendo disparidade entre as partes contratantes, e quanto maior for a possibilidade do uso dessa disparidade como meio de imposição unilateral de vontade, a ponto de suprimir o livre desenvolvimento da vontade da parte vulnerável da relação, maior será a possibilidade de exame do teor contratual. Essa possibilidade será ainda maior quando for previsível essa situação pela parte dominante da relação. É que o CDC é instrumento legal de preservação da dignidade da pessoa humana.

A teoria da responsabilidade subjetiva, segundo o ensinamento de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (Responsabilidade Civil, Forense, 3ª ed., 1992, pág. 30), “erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente”.

O referido autor, refuta a corrente doutrinária que elege a teoria da culpa baseada no princípio da autonomia da vontade, pela qual, na ocorrência de um dano a vítima precisa demonstrar a culpa do agente, não podendo ser presumida.

Para a conceituada processualista MARIA ANTONIETA ZANARDO DONATO (Proteção do Consumidor, Conceito e Extensão, RT, vol. 7, 1993, pág. 214), “Exponencial, para a teoria subjetiva, não se mostra a caracterização do dano e o correspondente dever de indenizar, mas sim mo dano decorrente do comportamento culposo do agente é que gerará o dever de indenizar”.

Indenizar é, pois, o objetivo mais evidente no sistema de responsabilidade civil instituída pelo CDC com respeito ao profissional liberal. Diz-se que a base da relação que se estabelece entre o advogado e o cliente é a confiança, elemento subjetivo de atração. É a postura, a conduta, o nome, a fama do profissional que produzem no cliente a confiança. O advogado, como o médico ou outro profissional liberal desperta no cliente não apenas a confiança, mas também a necessidade do momento. Então, não basta o resultado que se busca, mas a forma como o serviço é prestado, a zelo e a capacitação profissional que contribuem para o resultado.

Diferentemente de outras prestações de serviços típicas das sociedades de massa, que levam em consideração uma profunda análise de mercado sobre preço, risco, custo, benefício, própria da produção em série, a profissão advocatícia está impedida de oferecer serviços de massa com a utilização de métodos específicos de empreendimentos, técnicas de marketing para oferta e divulgação de sua atividade.

O advogado tem em seu mister, uma função constitucional: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (art. 133 CF). Mesmo constituindo uma sociedade profissional, não perde essa característica.

Para o mestre LUIZ ANTONIO RIZZATO NUNES (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, São Paulo, 2000, pág. 207), “o profissional liberal deve ser caracterizado pela atividade que exerce” e, ainda que a prerrogativa estabelecida no CDC seja pessoal , não gera o mesmo benefício ao prestador do serviço “que age como empreendedor” que assume risco, com cálculo de custo/benefício e oferta de massa etc, elementos típicos do explorador do mercado comum”.

Inobstante, a responsabilidade subjetiva implique em demonstração da ocorrência de culpa pelo cliente-consumidor, o profº ZELMO DENARI (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto, Forense Universitário, 6ª Ed., 1999, p.p 172/174), assegura que o §4º do art. 14, CDC, “não chegou a abolir a aplicação do princípio da inversão do ônus da prova”, pois “incumpre ao profissional provar, em juízo, que não laborou em equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho de sua atividade”. E explica: “No que tange aos contratos de prestação de serviços firmados com os profissionais liberais, muito importa distinguir os contratos negociados, previstos neste parágrafo, dos contratos de adesão, que costumam ser firmados com sociedades civis ou associações profissionais”.

O referido autor esclarece que há duas espécies de contratos advocatícios, em que uns deles pressupõe a responsabilidade objetiva consagrada pelo CDC: “a) um contrato relativo a uma lide coletiva, de caráter plurissubjetivo, e, nesta hipótese, o mesmo se qualifica como um contrato de adesão a condições gerais tipificando uma relação de consumo sujeita, irrestritamente, as disposições do Código de Defesa do Consumidor; ou b) um contrato oriundo de particular negociação entre as partes, como costumam ser os modelos clássicos de pactuação de honorários, dito contrato negociado, ao qual, em obséquio ao disposto no §4º do art. 14, não se aplica a regra da responsabilidade objetiva embora submetido às demais normas de defesa do consumidor”.

Pela nova ótica do Código Civil de 2002, foi estabelecida uma nova ordem hermenêutica, pela qual foi atribuída ao juiz uma carga maior de valores éticos, tendo como pressuposto essencial a dignidade da pessoa humana.

A idéia de justiça passa inarredavelmente por princípios éticos que se estabelecem como valores que regulamentam os fatos da vida individual e social pautados na igualdade nas relações político-econômico-comercial consumerista dos cidadãos.

4- O ADVOGADO E A ÉTICA NA DEFESA DO CONSUMIDOR

As normas de vinculação do homem na prática de seus relacionamentos estão inseridas nos ditames dos valores edificadores da boa-fé, da equidade, da dignidade, do equilíbrio contratual, da lealdade, do respeito aos usos e costumes, sempre levando em consideração a ética da situação sob a égide da igualdade concretizada numa relação de proporcionalidade.

Embora a Lei 8.078/90 seja lei geral consumerista ante a Lei 8.906/94, os princípios gerais de tutela do consumidor incidem nas relações deste com o advogado. Além do mais, a hipossuficiência do cliente perante o advogado é patente, pelo conhecimento técnico e altamente especializado do profissional que maneja as leis diante de sua ignorância. Por isso, o serviço destituído de ética, implica em contrato defeituoso, ou em cobrança abusiva de honorários, incidindo em infração ao art. 51, inciso IV do CDC.

Entenda-se. A contratação de advogado é imprescindível para defender, quer em causas judiciais, quer para consultas e pareceres jurídicos, quer para estabelecimento ou registro de empresas perante as autoridades competentes (art, 1º, I e II, 2º do Estatuto da Advocacia e da OAB). Logo, a vantagem do advogado sobre o cliente decorre também da própria normatividade positiva que impõe a contratação do advogado. E a contratação entre patrono e cliente será sempre onerosa.

Conforme assinala BRUNO BATISTA DA COSTA OLIVEIRA (Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos de Prestação de Serviços Advocatícios, Revista de Direito do Consumidor nº 54, abril-junho, 2005, RT, p.p 67/73), no tocante ao caráter remunerativo da atividade advocatícia, “são cada vez mais numerosas as sociedades de advogados com vários sócios e funcionários, como se fosse uma verdadeira empresa, que contratam administradores e contadores para gerirem o negócio. Multiplicam-se também hoje em dia os cursos de especialização e até mesmo pós-graduação em administração de escritórios de advocacia. É inegável o caráter comercial dessas verdadeiras empresas que são os grandes e luxuosos escritórios de advocacia. Não que por conta dessa estrutura empresarial os advogados que militam nessa área tenham perdido seus mumes público, mas é forçoso reconhecer que, muito mais do que atender à função social de sua atividade, esses advogados buscam e no mais das vezes alcançam o lucro”.

O referido autor chama a atenção para o argumento de alguns julgadores contrários a não aplicabilidade do CDC ao contrato advocatício, qual seja a restrição ética respeitante a aplicabilidade e captação de clientela e se posicionam contra porque “os serviços advocatícios circulam amplamente, sem qualquer restrição, a não ser a proibição de propagandas e captação do público...limitações de natureza ética...” que “não tem condão de tornar a livre concorrência e circulação inexistentes”. E continua: “pelo contrário! Observando-se o “mercado” da advocacia, concluímos que, muito embora sem qualquer publicidade, todos sabem qual o escritório é especializado em qual matéria, qual advogado se destaca em qual mister, existindo até mesmo concorrência, que não é pouca. Destarte, o advogado não fica, absolutamente, em posição passiva. Existe sim uma oferta de serviços, qualificada pela proposta do advogado que pode ser recusada ou aceita pelo cliente”. Incisivo, completa o citado autor: “O advogado, mesmo não podendo ir atrás do cliente, pode negociar o objeto do contrato, o tipo de serviço, os limites de sua atuação, enfim, não está atado como querem fazer crer... Ademais, não podemos nos esquecer que, da mesma forma que a lei proíbe o advogado de procurar clientes, impõe a sua contratação, uma vez que ninguém, além dele, pode representar e auxiliar o patrocinado em questões jurídicas (sejam elas jurídicas ou não)”.

OLIVEIRA reforça seu posicionamento aplaudindo o voto da Ministra Nancy Andrighi do STJ (REsp 364, 168, rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, 3ª T, j. 20/04/2004), do qual extraiu:”A força vinculante do contrato de prestação de serviços advocatícios reconhecida no art. 22 da Lei 8.906/94 não afasta a possibilidade da revisão judicial do ajuste, quando verificada a existência do encargo nulo ou anulável. Para tanto, admite-se inclusive a incidência do CDC, dado que o serviço advocatício a despeito de guardar certa especificidade se comparado com a atividade econômica geral, civil ou empresarial, constitui atividade onerosa fornecida no mercado de consumo (art. 3º, §2º) e insere, o seu prestador, no conceito de fornecedor (art. 3º, caput, da Lei 8.078./90)”.


5- A ÉTICA ADVOCATÍCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: HARMONIA E EQUILIBRIO.

O profissional que presta serviços, em qualquer área das atividades humanas deve estar atento à ética para o aprimoramento do atendimento, contribuindo para o fortalecimento das instituições. Primeiramente deve amar a profissão que abraçou. O amor é construído na liberdade. É através da liberdade que se aprende e se aperfeiçoa a igualdade entre todos, preponderando os sentimentos da lealdade, fidelidade, solidariedade, fraternidade e o respeito à liberdade do outro, à propriedade, à segurança, ao bem-estar e à própria vida.

O advogado merece uma atenção especial pelo seu papel de tomar o lugar do outro, de agir, pensar, lutar aguerridamente pelos direitos do outro como o faria por si próprio. Sua voz, seus apelos, suas vitórias ou derrotas, suas tristezas ou alegrias não são propriamente suas, mas daquele que representa.

A conduta do advogado deve ser impecável, a começar no trato com seus familiares, na sua convivência social. Ele é uma pessoa pública, seus posicionamentos, suas manifestações refletem sua vida familiar, sua postura, sua conduta e sua profissionalidade. É a própria lei que o exige. O Código de Ética da OAB deixa patente que o advogado é o defensor por excelência do estado democrático de direito, da moralidade pública, da cidadania, da paz social, da justiça. Sua função social já era vista pelo filósofo romano SÊNECA como o homem que deve ser sagrado para o homem – “homo sacra res hominis”. SAUL TOURINHO, em bem elaborado trabalho sob o título O Advogado e a Ética, comentando o art. 2º do Código de Ética da OAB, lembra que “o papel do advogado está atrelado ao conjunto da obra, ou seja, que a sua conduta deve se pautar muito mais do que pela sua própria nobreza, pela nobreza coletiva revelada pela categoria profissional à qual ele pertence. Cuidando também da condução de sua vida privada de modo exemplar....resgatando o papel ético do advogado”.

O aludido jurista lembra que o decoro, mais que o destemor, independência, honestidade, verdade, lealdade, dignidade e boa-fé, é pré-requisito de relevância pública que prescinde do zelo pela reputação profissional e pessoal, em benefício de toda a sociedade. De fato, uma conduta ilibada aperfeiçoa a pessoa do advogado tornando-o melhor, mais sábio, mais digno, de confiança, solidário e mais praticante da bondade em busca da paz.

À sua vez o Profº Paulo Lôbo (Comentários da Advocacia e da OAB, Saraiva, 2007, São Paulo, p.p 181/182) assevera que: “... de todas as profissões jurídicas a advocacia é talvez a única que nasceu rigidamente presa a deveres éticos... A ética profissional não parte de valores absolutos, mas consagra aqueles que são extraídos do sendo comum profissional, como modelares para a reta conduta do advogado... A ética profissional impõem-se ao advogado em todas as circunstâncias e vicissitudes de sua vida profissional e pessoal que possam repercutir no conceito público e na dignidade da advocacia”. “Os deveres éticos consignados no Código não são recomendações de bom comportamento, mas normas jurídicas dotadas de obrigatoriedade que devem ser cumpridas com rigor, sob pena de cometimento de infração disciplinar punível com a sanção de censura (art. 36 do Estatuto e da OAB) se outra mais grave não for aplicável”.


6-CONCLUSÃO


Vivemos um momento histórico-social de despertar para o exercício da moralidade, lançando sementes que se enraizarão no profissional em geral e em particular no advogado para uma sociedade mais equilibrada, mais justa e mais feliz.

Faz-se mister, como imperativo de consciência e depuração ética no exercício da advocacia na defesa do consumidor. Sendo o militante do direito um homem público, quer pela questão material que envolve a sua atuação, quer pelo papel constitucionalmente relevante que lhe é peculiar, o advogado deve primar pela sua atuação tanto profissional quanto pessoal, conduzindo sua vida privada de forma modelar em harmonia com os princípios e regras que o dignificam como ser humano e como profissional de categoria com trato diferenciado.

A despeito da circunstância prevista no art. 14 §4º do CDC, explicitando a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, mediante a apuração da culpa, o mandato e a prestação de serviços advocatícios restabelecem uma relação de consumo e, como tal, é dever do advogado informar convenientemente seu cliente sobre o serviço a ser fornecido, sobre as providências tomadas e seu andamento, sobre as cláusulas contratuais dos acordos entre eles celebrados. Também o dever de lealdade, o da aplicação de honorários sem vantagem exagerada, o de procedimento segundo os princípios da Ética e da Moral, devem representar um preceito a seguir essencial à administração da justiça.

A ética do advogado reflete a ética da sociedade em que ele vive. Se o profissional se vê diante de uma sociedade que tolera a improbidade administrativa, que fecha os olhos à “lealdade” entre corruptos, que concorda com o tráfico de influência ou com a idéia de que o que vale é extrair vantagem em tudo, acaba por se corromper também, compactuando com um mundo de vãs facilidades, de um ideal negativo, onde a moral e a ética representam uma barreira para a prosperidade e o sucesso, predominando um espírito de competição a chaga cancerosa que vai destruindo o sentido espiritual e o significado social e moral da profissão advocatícia.

Após a análise realizada, espera-se que este trabalho possa contribuir para o bem da advocacia e da própria sociedade, nesse momento em que, por vezes, com a inversão de valores, a falta de ética confundem os entendimentos, a distinção entre a bem e o mal, entre o belo e o feio, entre o justo e o injusto, entre a verdade e a mentira, esquecidos de que a Ética, Amor se confundem.

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